segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pesquisa Operacional
Print version ISSN 0101-7438
Pesqui. Oper. vol.29 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2009
doi: 10.1590/S0101-74382009000100007
Modelagem matemática do efeito chicote em ambientes com demanda e lead time estocásticos





José Carlos FioriolliI; Flávio Sanson FogliattoII, *

IEscola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre – RS, fioriolli@producao.ufrgs.br
IIDep. de Engenharia de Produção e Transportes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre – RS, ffogliatto@producao.ufrgs.br

RESUMO

O aumento da variabilidade da demanda ao longo de uma cadeia de abastecimento é conhecido como Efeito Chicote (EC). A modelagem deste fenômeno é fundamental para a quantificação de sua intensidade, ajudando a reduzir seus impactos negativos sobre o nível de serviço e sobre os estoques em cadeias de abastecimento. Este artigo apresenta uma proposta de modelagem do EC que tem por objetivo aumentar a precisão na quantificação deste fenômeno em ambientes com demanda e lead time estocásticos. O novo modelo considera um elemento que não está presente nos principais modelos disponíveis na literatura: a variabilidade no lead time de entrega de pedidos. Além disso, define de modo mais preciso o papel do coeficiente de variação da demanda na quantificação do EC. A utilização do modelo proposto aumenta a eficiência da gestão de cadeias de abastecimento ao contribuir para atenuar a propagação do EC.

Palavras-chave: efeito chicote; modelagem estocástica; cadeia de abastecimento.


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ABSTRACT

The increase in demand variability as information flows from customers to manufacturers in a supply chain is known as the Bullwhip Effect (BE). Modeling this phenomenon is key in measuring its intensity, aiming at reducing its negative impact on both service and inventory levels in supply chains. This paper proposes a new, more precise mathematical model for quantifying the BE in systems with stochastic demand and lead time. The new model takes into account the lead time variability, an element not present in the BE literature. In addition, the model allows a more precise assessment of the role that the demand's coefficient of variation plays when quantifying the BE. The use of the proposed model enables an improved management of the supply chain by attenuating the propagation of the BE.

Keywords: bullwhip effect; stochastic modeling; supply chain.


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1. Introdução

Uma cadeia de abastecimento (CA) é uma estrutura que compreende um conjunto de atividades intra e interempresariais. De acordo com Delfmann (2000), inicia com a aquisição de matéria-prima junto a fornecedores independentes, passa pela fabricação e distribuição, e termina com a entrega dos produtos aos varejistas ou consumidores finais.

O efeito chicote (EC) é um importante fenômeno presente em CAs. Segundo Chen et al. (2003), observa-se um EC quando a variabilidade da demanda aumenta na medida em que se avança nos níveis da cadeia, desde o varejista até o fabricante, produzindo impactos negativos sobre a regularidade e a estabilidade dos pedidos recebidos em todos os seus níveis.

A dinâmica do EC em dois níveis adjacentes k e k- 1 de uma CA pode ser assim descrita. O pedido gerado pelo nível k é definido a partir da previsão de demanda do nível imediatamente anterior (k–1) e depende dos dados históricos relativos àquela demanda e da técnica de previsão utilizada no nível k. Da mesma forma, os pedidos gerados pelo nível k+1 são definidos em função dos dados históricos disponíveis sobre a demanda no nível anterior (k) e da técnica de previsão utilizada no nível k+1. Esta lógica se repete a cada avanço de nível, de modo que os dados disponíveis, em cada nível (com exceção do nível mais baixo da cadeia), baseiam-se em uma expectativa de demanda e não na demanda real.

Vários aspectos gerenciais merecem destaque neste processo de amplificação da variabilidade da demanda. De acordo com Lee et al. (1997), Carlsson & Fullér (2000) e Chen et al. (2003), o EC potencialmente traz consequências locais e sistêmicas para fabricantes, distribuidores e varejistas. Entre as consequências locais, destacam-se (i) baixos níveis de serviço, gerados pela dificuldade de amortecer, em tempo hábil, as variações extremas da demanda; (ii) vendas perdidas em função das rupturas de estoques geradas pelas variações extremas da demanda; (iii) aumentos dos estoques de segurança, com vistas à recuperação dos níveis de serviço que garantam a competitividade da estrutura; (iv) aumento no número de reprogramações de produção para cobrir emergências; e (v) gestão ineficiente de recursos locais, como pessoal, equipamentos e capital. Entre as consequências sistêmicas, destacam-se: (i) elevação dos custos relacionados a estoques na CA em razão do aumento dos estoques locais, em cada um dos pontos do sistema; (ii) queda do retorno sobre o capital investido nas operações da CA; (iii) queda da produtividade dos funcionários que atuam nos processos produtivos ao longo da CA, conforme demonstrado por Anderson e Fine (2003); (iv) processo decisório reativo, principalmente em função dos picos de demanda, causando ruptura de planejamento; e (v) gestão ineficiente dos recursos da CA como um todo, em decorrência das ineficiências locais e da dificuldade de integração das operações da CA.

O principal desafio no gerenciamento do EC consiste em reduzir ineficiências e atenuar/eliminar a sua propagação ao longo da CA, de modo que seja possível otimizar o uso dos recursos empregados em seus diferentes níveis. Isto depende do grau de conhecimento que se tem sobre as suas causas e sobre a sua intensidade.

Nesse sentido, a quantificação do EC tem sido um tema frequente de pesquisa nos últimos anos. Autores como Lee et al. (1997), Chen et al. (2000), Fransoo & Wouters (2000) e Warburton (2004) vêm apresentando importantes desenvolvimentos teóricos sobre o tema. Um dos principais modelos de quantificação do EC, apresentado por Chen et al. (2000), é formulado como função do lead time, da variância da demanda e do número de períodos utilizados na previsão da demanda. O modelo trabalha com cenários com lead time constante, o que não reflete a realidade de grande parte das CAs, em vários setores econômicos. Além disso, em sua operacionalização, o modelo de Chen et al. (2000) não quantifica a influência do coeficiente de variação da demanda sobre o EC. De modo similar, os modelos de Lee et al. (1997), Fransoo & Wouters (2000) e Warburton (2004) também operam em ambientes com lead time constante. Tais restrições nesses modelos resultam em uma quantificação parcial do EC, sendo aplicáveis em cenários raramente encontrados na prática, uma vez que os lead times de entrega normalmente apresentam variabilidade.

As principais contribuições do presente artigo visam suprir as deficiências e limitações presentes nos modelos de quantificação do EC disponíveis na literatura. Mais especificamente, propõe-se um modelo matemático para quantificação do EC em ambientes que utilizam a política de pedidos do tipo out-EA (order-up-to Estoque Alvo), sujeitos à demanda e lead time estocásticos e independentes, supondo ambas as variáveis como normalmente distribuídas. Além de considerar a variabilidade nos lead times de entrega de pedidos nos diferentes níveis da CA, explicita-se no novo modelo o grau de influência que o coeficiente de variação da demanda exerce sobre a amplificação da variabilidade da demanda ao longo da CA.

O desenvolvimento de uma modelagem matemática de acordo com a proposta aqui apresentada se justifica já que, a partir da incorporação da variabilidade do lead time e da determinação do grau de influência que o coeficiente de variação da demanda exerce sobre o EC, torna-se mais precisa a identificação das causas deste fenômeno e mais fácil o entendimento da sua dinâmica. Isto é fundamental para a adoção de medidas gerenciais que visem à redução dos impactos negativos do EC sobre os estoques e os níveis de serviço em uma CA. Complementarmente, a modelagem pode ser utilizada para otimizar as quantidades a serem estocadas nos diferentes pontos de uma CA e para qualificar os processos decisórios relacionados à gestão dos estoques globais.

A escolha da política out-EA deve-se ao seu desempenho em ambientes estocásticos. A partir do trabalho de Clark & Scarf (1960), vários autores desenvolveram pesquisas que demonstram a otimalidade desta política em ambientes hierárquicos com demanda normalmente distribuída, entre os quais destacam-se Muharremoglu & Tsitsiklis (2001) e Chen et al. (2003). Para um detalhamento sobre a prova de otimalidade da política out-EA em ambientes com demanda e lead time estocásticos, ver Muckstadt (2005).

Por viabilizar uma quantificação mais precisa do EC em CAs, a implementação prática do modelo aqui proposto pode contribuir para: (i) a incorporação do EC na otimização dos estoques globais de uma CA; (ii) redução dos custos dos estoques; (iii) identificação das quantidades ótimas a serem estocadas nos diferentes pontos da CA; e (iv) qualificação dos processos decisórios relacionados à previsão de demanda.

Este artigo está organizado em cinco seções, incluindo a presente introdução. Na seção 2, apresentam-se os principais modelos de quantificação do EC disponíveis na literatura. Um novo modelo para quantificação do EC, menos restritivo em seus pressupostos, é apresentado na seção 3. Uma análise comparativa do desempenho do novo modelo em relação ao modelo de Chen et al. (2000) é apresentada na seção 4. Uma conclusão encerra o artigo na seção 5.



2. Referencial Teórico

O EC refere-se a uma situação em que o tamanho dos pedidos enviados aos fornecedores tende a apresentar maior variância do que as vendas efetuadas junto aos compradores (Carlsson & Fullér, 2001). De acordo com Lee et al. (1997), ocorre uma distorção da demanda, que se propaga ao longo da CA através do fluxo básico de informação e produz uma amplificação da variabilidade dos pedidos encaminhados aos fornecedores.

Considerando uma estrutura com três níveis [(i) Loja; (ii) Depósito; e (iii) Fornecedor], observa-se que a demanda dos clientes apresenta pequenas variações durante o ano (Figura 1). Em razão da distorção da informação no sistema, os pedidos da Loja para o Depósito (Figura 2) apresentam variações maiores em comparação à demanda dos clientes. No último nível, os pedidos encaminhados ao Fornecedor estão amplificando as variações observadas na Loja e no Depósito (Figura 3).









As abordagens utilizadas para a quantificação do EC podem ser divididas em três grupos: (i) cálculo da relação entre a variância dos pedidos e a variância da demanda, utilizado por Lee et al. (1997) e Chen et al. (2000); (ii) cálculo da relação entre a taxa de pedidos e a taxa da demanda, utilizado por Warburton (2004); e (iii) cálculo do quociente entre o coeficiente de variação da demanda gerada por um nível da cadeia e o coeficiente de variação da demanda recebida por este mesmo nível, utilizado por Fransoo & Wouters (2000).

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